*Carlos Nina
PRELIMINAR
Fui contra a Ditadura instalada em 1964 no Brasil, mas não fui a favor de terrorismo como reação ao sistema. O terrorismo, entretanto, não poderia justificar a mesma conduta por parte de agentes do Estado, como aconteceu, muito menos a tortura.
Curiosamente, anos depois, fui considerado covarde por um oficial do SNI por não ter participado da luta armada, como os nomes que, então, citou, e que, depois, no poder, foram punidos pela “corajosa” atuação no “Mensalão e, haja “coragem”, no “Petrolão”. Essa “coragem” meus pais não me ensinaram.
A ofensa não me atingiu, até porque partiu de quem demonstrou sua coragem tentando intimidar um indefeso estudante que, apesar de considerado covarde pelos valores daquele oficial, dizia claramente o que pensava, em programas de rádio e em artigos publicados na mídia local, devidamente identificados, sem pseudônimos. Aliás, ele até me aconselhou que escrevesse como o José Chagas, cronista já consagrado à época, que, segundo ele, fazia as mesmas críticas que eu, mas de forma amenizada.
Meus valores não mudaram. Nem minha convicção sobre meu direito à liberdade de expressão. Ainda que por isso tenha pago e continuo pagando alto preço. O menor deles é o da incompreensão, como certamente acontecerá em relação a este texto.
DEMOCRACIA COMO PARÂMETRO
Meu parâmetro é a Democracia, que, longe de ser um exercício fácil, é o mais difícil, pois depende da consciência de cada cidadão. A dificuldade está no fato de que cada um quer apenas exercer seus direitos. Quase nunca respeitar o direito dos outros. Ao contrário. Não veem nem os limites de seus próprios direitos. E como são seres humanos os que exercem os cargos públicos e assim agem em nome do Estado, este acaba por se transformar, por suas instituições, num dos maiores algozes do cidadão a quem deveria servir. Tema que desenvolvi em minha dissertação de Mestrado, no Mackenzie, publicada no livro “A Ordem dos Advogados do Brasil e o Estado brasileiro”, editado pelo Conselho Federal da OAB.
O DIREITO DE MANIFESTAÇÃO DO DEPUTADO BOLSONARO
Registro esses fatos para reafirmar que, mantendo os mesmos princípios, não poderia concordar com as posições e manifestações do Deputado Jair Bolsonaro. Mas igualmente não posso concordar com aqueles que entendem que, pelo fato de ele ter dedicado seu voto pelo impeachment à memória de um torturador, deva ter seu mandato cassado. Ele foi eleito por um segmento da sociedade que concorda com o discurso dele. Sua referência é coerente com as posições dele, mas não constitui crime. Aliás, houve absurdos maiores do que o dele, naquele dia, sem que isso tenha gerado igual repercussão.
DOIS PESOS E DUAS MEDIDAS
Não soube de nenhuma providência contra o voto daquela deputada que dedicou seu voto ao marido, flagrado em desvio de verba pública. Por que não foi tratada como apologista da corrupção?
Aí está parte da dificuldade de viver na Democracia: respeitar o direito de manifestação; respeitar o devido processo legal; respeitar a previsão legal da tipificação infracional ou penal.
A Democracia exige que respeitemos a opinião dos outros, gostemos ou não; que respeitemos as iniciativas processuais de reação a essas opiniões; que tais processos sejam julgados de acordo com a previsão legal. O que se vê, entretanto, é a intolerância para com uns e a tolerância para com outros, em total afronta ao princípio constitucional de que todos são iguais perante a lei.
CASOS EMBLEMÁTICOS
Tenho como emblemáticos alguns casos, dentre muitos.
Um deles foi quando o empresário Fernando Sarney, usando de institutos legais previstos no ordenamento jurídico, pretendia sigilo em processo a que respondia. Foi acusado pela mídia de estar querendo censurar a imprensa. Estava, porém, apenas exercendo seu direito de defesa, em pedido que competia a um magistrado decidir, não a ele.
Não vi a mídia dizer a mesma coisa quando um jurista detentor da maior honraria concedida pela OAB ajuizou ação contra uma rede de televisão, auferindo inclusive indenização por notícia que o incomodara. Isso não foi considerado censura à imprensa.
MAU EXEMPLO ACADÊMICO
Outro caso emblemático é o de um professor universitário que dedicou toda sua vida profissional à sua universidade, inclusive com trabalhos científicos publicados em revistas especializadas, sem ter seu trabalho reconhecido pela universidade.
Por conta de uma frase que teria dito em sala de aula teve sua honra e dignidade enxovalhadas e perturbada sua vida pessoal e profissional apenas porque um grupo de alunos, insatisfeitos com suas notas, deixaram-se usar por movimentos segregacionistas para atingir o professor.
Apesar de inocentado pela comissão que o investigou, o reitor resolveu puni-lo para dar uma satisfação pública. Afinal, a mídia nacional tinha apresentado o professor ao mundo como um xenófobo preconceituoso. Era a retribuição da universidade à contribuição que o professor tinha dado a sua história sua produção acadêmica.
O MALVADO FAVORITO
O caso do Deputado Eduardo Cunha também é emblemático. Não usou nenhuma violência para impedir o trabalho da Câmara dos Deputados ou de suas Comissões, inclusive a de Ética. Usou apenas de recursos legais previstos no ordenamento jurídico vigente.
Se a Comissão não se reuniu, suspendeu sessão ou agiu desta ou daquela forma, não foi por conduta do deputado Cunha, mas dos membros que a compõem. Se o Deputado Cunha é competente no que faz, não pode ser penalizado ou condenado se os outros não o são e não fazem a sua parte.
CRIMINALIZANDO OPINIÕES
Da mesma forma não constituem crime as acusações recentes contra José Sarney, Renan Calheiros e Romero Jucá, no que referem às conversas gravadas e nas quais manifestam sua opinião sobre a operação Lava-Jato, magistrados, procuradores etc. Podem até ser processados, porque o procedimento é previsto na legislação. Mas uma condenação em razão dessas manifestações é totalmente absurda, porque não há no ordenamento jurídico crime de opinião.
A IMPORTÂNCIA DE SARNEY PARA O PT
O Sarney não pode ser julgado nem pelo fato de ter contribuído decisivamente para a ascensão do PT ao Poder. Nem poderia ter sido, a partir de então, hostilizado pelos petistas que se mostraram e mostram, ainda, ingratos. Não só porque foi graças a ele que o partiu ascendeu ao poder, mas porque o presidente eleito pelo partido só se manteve no poder por conta da competência, liderança e do prestígio eficazes que o Sarney comprovou possuir ao longo de todos os anos em que o ocupante da presidência observava seu aconselhamento. Sou testemunha desse fato, antes de se tornar realidade.
Foi num diálogo que mantive, nas dependências do Conselho Federal, em Brasília, com um advogado do partido que, depois, seria alçado a uma Corte do Judiciário. Perguntei ao advogado por que o partido estava se aliando ao Sarney se, no Maranhão, o partido o combatia e isso afetaria diretamente lideranças petistas, como o Deputado Domingos Dutra, que se dedicava de corpo e alma a defender o partido.
A resposta dele foi surpreendente, profética e resumia os princípios que norteiam a atividade partidária no Brasil. Àquela época eu acreditava que o PT fazia a diferença. Respondeu-me o advogado que ao PT a militância do Maranhão não interessava, não tinha importância. Não significava nada. O que interessava era o apoio do Sarney.
O tempo, senhor da razão, como disse o Fernando Collor, confirmou as palavras do advogado.
Registre-se, por dever de justiça, que o afilhado do Sarney manteve com este longa lealdade, apoiando o Sarney para o comando do Senado. Em contrapartida, Sarney o protegia no Congresso. Proteção essa que se estendeu à sucessora, ora afastada, que, depois de perder essa proteção, desceu ladeira abaixo, em queda livre.
A INGRATIDÃO DOS PETISTAS
E ainda há petistas que criticam o Sarney, quando deveriam ser eternamente gratos ao seu principal e mais eficiente aliado, porque sem ele jamais teriam alcançado o poder; o sapo barbudo de Brizola teria sido defenestrado do poder ainda no exercício da presidência; já teria sido preso; não teria eleito aquela de cuja escolha se arrependeu, como confessou ao amigo leal Sarney; e milhares de petistas não teriam sangrado os cofres públicos em cargos de confiança.
Petistas ingratos, mal-agradecidos!!!
SALVANDO A REPÚBLICA
Por isso mesmo posso dizer que, contrariamente à manifestação de todos aqueles que criticam a Lava-Jato, o País não está vivendo sob a República do Moro. Na verdade é o Moro que está salvando a República que a classe política quer destruir. Quer dilapidando-a, quer levando o País ao caos, propiciando o surgimento de nova ditadura, seja militar, seja paramilitar, sob o comando de uma das maiores fraudes nunca antes na história do País sequer imaginada.
O CRIME DO DELCÍDIO
O Senador Delcídio Amaral foi punido porque, ele, sim, articulava um atentado à administração da Justiça, tentando obstruir a Lava-Jato ao planejar a fuga de um dos delatores premiados daquela operação.
A IMPUNIDADE DO MERCADANTE
Entretanto, o Ministro da Educação, Aluízio Mercadante, não foi sequer incomodado, apesar de ter, também, articulado conduta semelhante à do Senador Delcídio Amaral. E, repita-se, Ministro da Educação!!!. Não é de admirar-se, portanto, o estado em que se encontra a educação no País.
A IMPUNIDADE DOS INCENDIÁRIOS
Também não vi nenhuma medida judicial contra o filho de um ex-presidente da República que, segundo notícia veiculada na mídia, teria dito que se seu pai fosse preso – e motivos legais não faltam para que o seja – “eles” tocariam fogo no País. E o próprio pai já dissera em discurso que, se necessário, vai por seu exército na rua.
Quem são “eles”? Qual exército?
Os militantes do PT, inocentes úteis que usaram para chegar e se manter no Poder para roubar como nunca antes na história do Brasil, aperfeiçoando, ampliando e rompendo todos os limites da corrupção que já vinha corroendo as instituições do País, especialmente no setor de construções, há décadas já denunciadas por Samuel Wainer?
Ou os invasores de propriedades alheias, que não são apenas os baderneiros treinados para a violência, mas igualmente inocentes úteis usados para o mesmo fim antes citado?
CONSTRUTORES: VILÕES OU VÍTIMAS?
Ressalto que a denúncia de Wainer não considerou que os empreiteiros e construtores são, ao final, também vítimas, porque as construtoras é que são usadas para fazer as obras, que devem ser feitas, mas que são obrigadas, pelos chefes de Executivos e parlamentares, a superfatura-las e pagar propinas. E agora, quando o japa da federal bate à porta, só eles e os executivos das empresas é que vão para a cadeia. Os maiores beneficiários continuam soltos.
Por quanto tempo?
CONTRADIÇÕES E INCOERÊNCIAS
Nada disso é democracia, como falsamente alardeiam querer os chefes dessa quadrilha organizada que assumiu o poder na década passada.
Ou seja, o Bolsonaro pode ter sua declaração de voto considerada apologia à tortura; mas o incendiário não é responsabilizado, apesar de o art. 286 do Código Penal prever que incitar, publicamente, a prática de crime é delito.
Essas contradições e incoerências estão, também, no topo do Judiciário, como já demonstrei em artigos anteriores, no caso do Conselho Nacional de Justiça, que, sob a alegação de que viria corrigir distorções no Judiciário, atropela as corregedorias estaduais, avocando, julgando e punindo magistrados, deixando impunes as corregedorias que, por presunção, teriam sido desidiosas.
Violam, assim, os princípios que norteiam a Democracia: a igualdade, o contraditório, a ampla defesa e o devido processo legal.
Um dos maiores absurdos – ainda guardo a decisão – foi uma liminar concedida para suspender uma decisão judicial – que estava sujeita a recurso próprio – atendendo pedido via telefone!!!
É bom dizer que se tratava de um banco oficial!!! Certamente o CNJ não atenderia se o pedido fosse de cliente do banco!
HÁ JUÍZES NO BRASIL
Mas o Brasil não é apenas o CNJ e muito menos o Congresso Nacional, mas o Poder Judiciário como um todo, onde há muitos Moro, trabalhando silenciosamente para tentar salvar o País para as futuras gerações, porque esta e as próximas foram condenadas a viver na vergonha dessa miséria financeira e moral construída pelos que detém a chefia dos executivos municipais, estaduais e federais, em cumplicidade criminosa com os parlamentos e, reconheça-se, a omissão e conivência da maioria da população, manifestadas especialmente nas eleições.
O DESAFIO DAS PRÓXIMAS ELEIÇÕES
As próximas eleições serão um teste excepcional para nossa Democracia, pois há um limite de gastos para as campanhas.
Quem vai respeitar? Ninguém.
Alguém tem dúvida?
Ainda ecoa no Congresso a afirmação de P. C. Farias quando depunha sobre a campanha eleitoral de Collor: é hipocrisia dizer que qualquer um dos eleitos respeitou limites de gastos de campanha ou devolveu suas sobras.
Não há inocentes nas listas de candidatos eleitos proclamadas pela Justiça Eleitoral. É tudo um faz-de-conta.
Por isso o PT já tem uma gravação para responder a todas as acusações de corrupção em suas campanhas: todas as doações foram legítimas, declaradas à Justiça Eleitoral e por esta aprovadas.
Isso é verdade. Mas teriam de inventar outra mentira se a legislação exigisse não apenas que as doações fossem declaradas, mas também a origem dos valores na fonte doadora.
LAVANDO DINHEIRO PARA A CAMPANHA ELEITORAL
O sistema garantia que os saqueadores da Petrobrás, do BNDS, dos Ministérios usassem instituições de caridade, associações, empresas privadas e, especialmente, construtoras para desviar verbas públicas para seus partidos e bolsos sem fundo. E os aprovava, porque não importava aos tribunais eleitorais se a origem do dinheiro era ilícita. Bastava que a doação fosse legalmente declarada à Justiça Eleitoral.
Para o PT, o Eduardo Cunha não pode usar os recursos que a lei e o regimento lhes possibilitam, mas o partido pode, na superficialidade da norma, usar dinheiro roubado para bancar suas campanhas simplesmente porque declarou as doações à Justiça Eleitoral!!! E não tem piedade de exigir de seus militantes que “voluntariamente” doem significativo percentual de seus salários para o partido.
CELULARES E ADVOGADOS EM ALTA
Por isso as próximas eleições são desafiadoras. Os candidatos precisarão de muita fiscalização para acompanhar os gastos de seus adversários e de advogados para ajuizar as milhares ações e de defesas que haverá nas próximas eleições. Celulares trabalharão mais do que nunca para fazer flagrantes e denunciar abusos.
“CORAGEM” CONTRA SUBJUGADOS
É isso que aquele oficial que queria que eu denunciasse um professor nunca entendeu nem vai entender: é preciso muita coragem para ser democrata. Ser autoridade pública responsável também é difícil e exige coragem. Na Ditadura é fácil para quem está no poder, porque aí pode mostrar sua “coragem” ao intimar indefesos e torturar subjugados.
Mas aquele oficial não é diferente daqueles intelectuais e artistas que combatiam a ditadura e, ao mesmo tempo, defendiam e defendem regimes de exceção, onde a censura é regra, a opinião adversa é crime e a perseguição a adversários políticos, sua prisão, condenação e execução constituem rotina.
Onde está a coerência?
A única coerência que existe, que caracteriza a conduta das lideranças dessa quadrilha organizada, é a mentira. Mentira que usaram para eleger sua candidata e que seria compreensível se fosse apenas pregada para os “capitalistas”, mas mentem para seus próprios militantes, de quem escondem suas verdadeiras motivações, os esquemas imorais em que se envolveram e a origem ilícita do patrimônio que amealharam, em seu nome ou de terceiros, no País ou em paraísos fiscais.
AUTOPROMOÇÃO E TRÁFICO DE INFLUÊNCIA
Ser democrata, sim, exige coragem, não só para exercer seus direitos, mas para respeitar os direitos dos outros. Sem contar com o apoio das instituições, porque podem falhar, podem estar sob o comando de quem não esteja ali para servi-las, mas para usá-las. Por isso mesmo vê-se a atuação louvável do Ministério Público em determinados segmentos e sua omissão em outros. O mesmo acontece com as instituições de advogados e que, longe da atuação efetiva que tiveram no passado, têm servido apenas para autopromoção e tráfico de influência.
BODE EXPIATÓRIO
E o Bolsonaro é que deve perder o mandato porque dedicou seu voto ao Brilhante, que só tem brilho no nome?
Tenham dó!!!
Carlos Nina. Advogado (OAB-MA e OAB-SP), jornalista (SJPSL-MA). Mestre em Direito Econômico e Político (Mackenzie, SP). Promotor de Justiça (1979/1984) e Juiz de Direito do Estado do Maranhão (1990/1995). Presidente da OAB-MA 1985/1989. Conselheiro Federal da OAB (1997/2002). Associado do Instituto dos Advogados Brasileiros e da Associação dos Advogados de São Paulo.
Carlos Nina
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