“Uma das características essenciais da vida contemporânea é a pluralidade e a diversidade de religiões. E a posição humanista mais desejável é a de tolerância para que cada um possa viver a sua própria crença, merecendo o respeito e a consideração de todos.”
Relator de ADIn proposta pela PGR, o ministro Luís Roberto Barroso votou na sessão plenária desta quarta-feira, 30, e entendeu que ensino religioso ministrado em escolas públicas deve ser de matricula efetivamente facultativa e ter caráter não confessional, ou seja, sem vinculação a uma religião específica, sendo vedada a admissão de professores na qualidade de representantes das religiões para ministra-lo. O julgamento foi suspenso e será retomado nesta quinta-feira, 31.
Na ação, a PGR pediu a interpretação conforme a Constituição do artigo 33, caput e parágrafos 1º e 2º, da lei 9.394/96, para assentar que o ensino religioso em escolas públicas só pode ser de natureza não-confessional, ou seja, sem vinculação a uma religião específica, com proibição de admissão de professores na qualidade de representantes das confissões religiosas.
Para a PGR, como a CF/88 consagra, a um só tempo, o princípio da laicidade do Estado (art. 19, inciso I) e a previsão do ensino religioso, de matrícula facultativa, nas escolas públicas de ensino fundamental (artigo 210, parágrafo 1º), a única forma de compatibilizar o caráter laico com o referido ensino é através da adoção do modelo não-confessional.
Na primeira parte de seu voto o ministro Barroso fez uma reflexão sobre a religião no mundo contemporâneo. Ele pontuou que a modernidade trouxe efetivamente a secularização, a laicidade do Estado e a separação entre ciência e fé, com o deslocamento da religião predominantemente para o espaço da vida privada. Mas, segundo ele, a ascensão das ciências e o avanço tecnológico não deram conta das demandas espirituais da condição humana.
“Secularismo não implica em desapreço à religião ou à religiosidade. Tampouco significa que as religiões não possam vocalizar suas crenças ou participar do diálogo amplo e aberto que caracteriza a democracia contemporânea. É possível que uma sociedade seja moderna, plural e secular e, ainda assim, a religião desempenhar um papel importante.”
A simples presença do ensino religioso em escolas públicas, para o ministro, já constitui uma exceção, feita pela Constituição, à laicidade do Estado e, por isso mesmo, não pode receber uma interpretação ampliativa para permitir que o ensino religioso seja vinculado a uma especifica religião.
“O ensino religioso confessional viola a laicidade porque identifica Estado e Igreja, o que é vedado pela Constituição.”
O ministro citou o estudo “Novo Mapa das Religiões”, realizado pela FGV com base em dados do IBGE, que concluiu pela existência de 140 denominações religiosas identificadas no Brasil e ressaltou ser materialmente impossível que a escola pública, respeitando a igualdade das religiões, ofereça condições para que 140 religiões diferentes e alternativas sejam ministradas dentro da sala de aula. Logo, segundo ele, algumas religiões teriam que ser favorecidas e aconteceria o favorecimento das religiões majoritárias.
“Qualquer política pública ou qualquer interpretação que favoreça uma religião, mesmo que majoritária, quebra a neutralidade do Estado nesta matéria. Portanto, o ensino religioso confessional é incompatível com a laicidade também pela impossibilidade de preservação da neutralidade do Estado em relação às religiões.”
De acordo com o voto de Barroso, o MEC, para dar cumprimento ao mandamento constitucional do ensino não confessional e facultativo, deve estabelecer parâmetros curriculares e conteúdos mínimos do ensino de religião, sob pena de, na prática real, se violar gravemente o mandamento constitucional da laicidade. Além disso, a matrícula dos alunos não deve ser automática nessa disciplina e, aos que optarem por não cursá-la, deve ser assegurado uma outra atividade curricular no mesmo horário.
Sustentações orais
O procurador-Geral da República, Rodrigo Janot, afirmou que a laicidade do Estado está diretamente ligada a liberdade de religião. Para ele, a laicidade se impõe ao Estado, que deve se manter neutro em relação as diferentes concepções religiosas presentes na sociedade, “sendo-lhe vedado tomar partido em questões de fé como favorecimento ou embaraço de qualquer crença ou grupo de crenças.”
A advogada-Geral da União, Grace Mendonça, defendendo os dispositivos questionados, pontuou que, de acordo com a Constituição Federal, o Estado deve oferecer o ensino religioso, no entanto, é facultativo ao aluno a participação. Ela argumentou que, ao invés de se suprimir o ensino religioso confessional, pode-se ampliar a base dele para que todas as religiões sejam estudadas.
Pelos amici curiae favoráveis a natureza não-confessional do ensino, também sustentaram oralmente o advogado Leonardo Almeida Lage (Anis – Instituto de Bioética, Direitos Humanos e Gênero), Maria Claudia Bucaneri (Associação Brasileiros de Ateus e Agnósticos), Nathaly Fragoso Silva Ferro (Comitê Latino-Americano e do Caribe para a Defesa dos Direitos da Mulher), Túlio Lima Vianna (Liga Humanista Secular do Brasil) e Lívia Gil Guimaraes (Centro Acadêmico XI de Agosto).
Já pela improcedência da ADIn falaram pelos amici curiae os advogados Fernando Neves da Silva (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil), Hugo José Sarubbi Cysneiros de Oliveira (Associação Nacional de Educação Católica do Brasil), Paulo Henrique Cremonezi (União dos Juristas Católicos de SP, do RJ, e Associação dos Juristas Católicos do RS) e João Vasconcelos Maia (Conferência dos Religiosos do Brasil).
Fonte: Migalhas