Marina defende união em torno do legado de Eduardo Campos
Em meio ao início da campanha eleitoral no rádio e na TV, nesta terça-feira, cresce a expectativa quanto ao lançamento da candidatura de Marina Silva à Presidência, substituindo seu companheiro de chapa, Eduardo Campos (PSB), que morreu na semana passada.
A reportagem é de Rafael Barifouse.
O nome de Marina como candidata deve ser confirmado pelo PSB nesta quarta-feira. Mas ainda não se sabe ao certo qual será o seu programa de governo – se ele será semelhante ao de sua candidatura ao Planalto em 2010 ou diferente, tentando acomodar as propostas e alianças defendidas por Campos.
Na pesquisa Datafolha divulgada na segunda-feira, a primeira após a morte de Campos, Marina aparece em segundo lugar no primeiro turno, com 21% das intenções de voto, e lidera no segundo turno, com 47%, à frente até mesmo da presidente Dilma Rousseff (embora a diferença entre Marina e Dilma configure empate técnico).
Esse clima contagiou até mesmo a página de Marina na internet. Na segunda-feira, haviam sido publicadas no endereço as diretrizes de sua campanha em 2010, revistas e ampliadas com base nos comentários deixados na época por eleitores em sua página.
O conteúdo não está mais no ar, e assessoria de imprensa da coligação Unidos Pelo Brasil, capitaneada pelo PSB, não respondeu aos pedidos de esclarecimentos da BBC Brasil até o fechamento desta reportagem.
Isso ampliou ainda mais as dúvidas sobre as propostas de Marina para estas eleições.
‘Senso de responsabilidade’
Após a morte de Campos, a ex-senadora chegou a declarar ter um “senso de responsabilidade e compromisso com o que a perda de Eduardo impõe”, mas não detalhou o significado disso.
Ao mesmo tempo, há relatos de que o PSB deseja que Marina assuma esse compromisso formalmente por meio de uma carta a ser apresentada juntamente com o anúncio de sua candidatura. Nessa carta, ela tentaria conciliar posições de Campos com os interesses da Rede Sustentabilidade, partido que Marina tentou criar e que acabou barrado pela Justiça Eleitoral.
Com esta possibilidade ainda em aberto, a BBC Brasil conversou com dois cientistas políticos para ajudar a esclarecer qual será o projeto de Marina para o Brasil: Marco Aurélio Nogueira, diretor do Instituto de Políticas Públicas e Relações Internacionais da Universidade Estadual de São Paulo (Unesp), e Renato Janine Ribeiro, professor de Ética e Filosofia Política da Universidade de São Paulo.
Nogueira e Ribeiro convergem em um ponto: a Marina de hoje é diferente daquela de 2010. Mas divergem quanto à possibilidade dela fazer mais concessões do que as que já vieram a público até o momento.
Confira suas opiniões:
O projeto de Marina para o Brasil será muito diferente do defendido por ela em 2010?
Marco Aurélio Nogueira (Unesp) – Acredito que será, porque o país mudou nestes quatro anos. Os protestos de 2013 mostraram uma distância entre a sociedade, ou de parte importanrte dela, e o sistema politico. É de se esperar que políticos reajam a isso, ainda mais aqueles que desejam ocupar um cargo tão importante. Além disso, em 2010, Marina era uma franco-atiradora que caminhava de certa forma à margem do sistema político e, hoje, está inserida em uma estrutura de campanha herdada de Campos e que não foi inteiramente construída por ela. Ela aderiu a um projeto em andamento, que é das pessoas as quais Camposrepresentava. Só o fato de ter aceitado fazer parte dele significa que ela reduziu um pouco a dose de sonhos que apresentou há quatro anos. Ainda assim, apesar de vir se mantendo mais em silêncio do que se esperava, é de se esperar que tenha dado sua contribuição ao programa de governo.
Renato Janine Ribeiro (Usp) – Acredito que sim. Marina surgiu com a bandeira da ecologia e foi aos poucos priorizando mais a economia sustentável. Agora, a principal diferença deve ser a defesa mais forte por ela de uma política econômica liberal, porque hoje ela está mais ligada e próxima ao mundo empresarial, e isso tem que ser explicitado. Mas ainda não sabemos o que será defendido por ela Havia uma grande diferença entre o que ela e Campos pensavam. No entanto, será exigido dela uma consistência nas suas propostas. Atualmente, Marina é mais conhecida, mas continua a ser um mistério. Até hoje, ninguém sabe se a votação expressiva dela em 2010 se deu por causa do eleitorado evangélico ou do voto ecológico.
Até que ponto Marina precisará adaptar suas visões para respeitar o legado de Campos e o projeto do PSB?
Marco Aurélio Nogueira (Unesp) – A terceira via de Marina é diferente da terceira via de Campos e do PSB, mas ela terá se de se flexibilizar senão ela será combatida não apenas por Dilma e Aécio, mas por membros do seu partido. Acredito que ela já fez isso, por exemplo, com o agronegócio, que era uma pedra no sapato da aliança. Campos era mais pragmático e conseguia dialogar mais com esse setor. Marina tem menos jogo de cintura, mas teve que se flexibilizar neste ponto ao entrar nesta aliança. Outro ponto é a questão do desenvolvimento. Se ela condicionar isso demais à conservação ambiental, terá dificuldade de fazer o país o crescer. Não será uma questão que ela poderá tratar de forma doutrinária. Também acho que ela já se flexibilizou em relação às alianças políticas e terá de ir além nesse ponto. O PSB fez alianças com o PSDB em São Paulo, e Marina foi contra, mas terá que aceitar isso. Se houver uma exigência política de que ela esteja no mesmo palanque com Geraldo Alckimin, por exemplo, ela estará, senão não será muito competitiva em São Paulo.
Renato Janine Ribeiro (Usp) – Isso deve ser perguntado a ela, porque é uma questão repleta de incertezas. Hoje sabemos o que Aécio Neves e Dilma Rouseff querem, mas não o que Marina quer. Segundo o presidente do PSB, o Roberto Amaral, ainda está mantido o combinado entre eles de que a Marina deixa o partido depois das eleições. Ainda precisa ser esclarecido se, caso ela vença, se terá sido eleita uma pessoa do PSB ou da Rede Sustentabilidade (partido que Marina tentou criar, mas acabou barrado pela Justiça Eleitoral pelo número insuficiente de assinaturas apresentado na época). Além disso, tem o fato do PSB ter um nome curioso, porque não é socialista de fato. Mas acho muito difícil ver Marina abrir mão de seus princípios em nome da candidatura. Ela é uma pessoa de convicções muito fortes e muito segura do que acredita. Acredito que ela não seguiria tanto o legado de Campos, mas a política da Rede. Mas isso depende do que ela negociou com o PSB.
Fonte – IHUSINOS