A CPT vem a publico manifestar sua análise sobre o período eleitoral, o perfil e os planos de governo dos principais candidatos, trazendo como maior questionamento, “Onde está a Reforma Agrária”, no futuro desses possíveis governantes?
A Diretoria e a Coordenação Executiva Nacional da Comissão Pastoral da Terra, após denunciar no início da semana passada a onda de violência que se abateu sobre
os trabalhadores e trabalhadoras do campo, querem agora unir sua voz à de milhares e milhares de indígenas, quilombolas, pescadores,
ribeirinhos, camponeses e camponesas e trabalhadores e trabalhadoras rurais do Brasil, que expressam sua perplexidade e descrença diante do
atual quadro político-eleitoral do momento. Na realidade é frequente ouvir deles que nenhum candidato e nenhuma proposta se
identifica com as suas necessidades e reivindicações Podemos testemunhar que vem
crescendo a não aceitação e uma justa revolta diante do conchavo permanente entre poderosos grupos econômicos privados,
nacionais e estrangeiros, ruralistas, agroindustriais, mineradores, para ocupar e controlar cargos nas instituições públicas
tanto do executivo, quanto do legislativo. Com isso objetivam influenciar leis e políticas públicas que facilitem a
perpetuação do latifúndio e da grilagem, que retirem os direitos duramente conquistados pelos povos indígenas, comunidades
quilombolas e outras comunidades tradicionais, e que flexibilizem os direitos trabalhistas, para garantir o lucro a qualquer custo para os
investimentos e empreendimentos capitalistas.
Isso, que homens e mulheres do campo, das águas e das florestas percebem, fica claro na análise dos programas de governo dos candidatos que, em âmbito federal e estadual, disputam com possibilidades de sucesso as eleições. Todos eles exaltam a eficiência e importância do agronegócio, enquanto nem
sequer reservam uma linha para a necessidade da reforma agrária, ou aqueles que a ela se referem, a colocam num plano insignificante. O
máximo que os programas pontuam é algum tipo de apoio à agricultura familiar e uma insinuação à necessidade
de uma agricultura agroecológica e saudável.
O resultado previsto, quaisquer que sejam os vencedores, será a confirmação de um modelo de desenvolvimento que ameaça os territórios
indígenas, quilombolas e camponeses, a continuidade da vida nos nossos biomas e os direitos trabalhistas. Um modelo de desenvolvimento que, no
dizer de Maninha, do Movimento dos Pescadores e Pescadoras, “traz sofrimento para nossas comunidades”.
O próprio financiamento das campanhas eleitorais pelas grandes empresas é a expressão cabal do conluio capital/política. Qual será o interesse,
por exemplo, das três empresas responsáveis, até o momento, por 65% do arrecadado pelos três principais candidatos à
presidência da república, JBS (Friboi), Ambev (Cervejaria) e OAS Construtora, se elas estão envolvidas em denúncias e
punições por violações aos direitos trabalhistas de seus funcionários, inclusive em situações
análogas ao trabalho escravo?
Na contramão dos programas das agremiações partidárias, infelizmente hegemônicas, insistimos sobre a centralidade da Reforma Agrária. Trata-se
de uma Reforma Agrária ressignificada, que vai além da mera distribuição de terras: é sonho e projeto que brota
e floresce com as novas experiências e articulações dos indígenas e dos quilombolas, que defendem e retomam seus
territórios, com a proposta de economias que defendam o futuro do Planeta, ameaçado pelo efeito estufa e mudanças
climáticas, agroecologias como visão do mundo, aproveitamento das energias limpas, soberania e segurança alimentar respeitosas da
Vida, moratórias que preservem o que sobra da Amazônia, Cerrado, Caatinga, Mata Atlântica e Pampas, com suas bacias
hidrográficas e aquíferos destruídos e constantemente agredidos.
Se não houver uma mudança radical no curso destas eleições, a CPT sente que elas não marcarão nenhum salto qualitativo em
relação às grandes expectativas que o Brasil fez eclodir, com muita esperança, nas manifestações de junho de
2013 e nas mobilizações indígenas e camponesas deste último ano. Por isso conclama a todos quantos sentem a
urgência de um Brasil novo, à participação no plebiscito popular a acontecer na semana da pátria, em vista da
convocação de uma Constituinte soberana e independente para a construção de uma reforma política que abra
espaço para organizações populares, de classe e de territórios. Estas representadas e presentes nas decisões mais
importantes da vida do País, lutarão para que sejam reconhecidos e aceitos a autonomia e o protagonismo de grupos que resistem à
massificação dos métodos do capital e propõem alternativas a um modelo de desenvolvimento elitista e falido.
Se a dimensão política é a “maneira de melhor exercer o maior mandamento do amor” (Papa Francisco, discurso do dia 10 de junho de 2013), cabe-nos, como Comissão Pastoral da Terra,denunciar as viciadas formas de exercer o poder que alimentam e fortalecem os grupos já poderosos, que agridem e ameaçamnão só os direitos dos mais fracos, mas a própria Constituição brasileira.
Goiânia, 27
de agosto de 2014.
Comissão
Pastoral da Terra