Advogado defende o direito e critica postura de juízes que tentam restringir a forma de pressão
Joana Tavares
Belo Horizonte (MG)
Quando um trabalhador está insatisfeito com seu salário ou com uma situação precarizada no serviço, o que ele pode fazer? A história mostra que a alternativa que garante mais resultados é a greve. A paralisação das atividades coletiva é um direito previsto na Constituição Federal, ou seja, é uma forma de pressão democrática pela conquista de melhores condições de trabalho. No entanto, nos últimos anos, a mesma Justiça que deveria garantir esse direito tem tomado medidas para restringir a mobilização, como aconteceu em Belo Horizonte durante a greve dos servidores municipais. “Ao dificultar uma greve na educação, por exemplo, o Judiciário contribui para que o serviço perca qualidade, já que é o professor quem faz a educação no dia a dia e precisa de condições melhores de trabalho e renda para isso”, denuncia o doutor em Direito do Trabalho pela USP e diretor do sindicato dos advogados de São Paulo, Thiago Barison.
Brasil de Fato – O direito de greve é garantido pela Constituição Federal. Isso quer dizer que as greves sempre são legais?
Thiago Barison – O art. 9º da Constituição dá aos trabalhadores a liberdade de decidir quando cruzar os braços coletivamente e também os interesses que vão defender pela greve. Estabelece que nas atividades “essenciais”, definidas por lei (saneamento, saúde, transportes etc.), o sindicato garantirá o atendimento das “necessidades inadiáveis da comunidade”. Por fim, a Constituição responsabiliza os indivíduos que durante a greve pratiquem atos de abusividade, que acontecem quando alguém se excede e fere direitos de outros. Esse é o quadro normativo. Mas as greves não podem ser nunca “ilegais” ou “abusivas”: alguém que se excede pode cometer “ato de abusividade”. Mas a greve como um todo não, ela é sempre legal e legítima. É um direito fundamental dos trabalhadores. Mas o Judiciário tem interpretado esse quadro normativo sempre para restringir ao máximo o direito de greve.
Recentemente, em quase todas as greves, a Justiça concede liminares que restringem o direito de greve, como impedir que as manifestações ocupem mais de uma faixa na rua, multa para os sindicatos por dias parados, aumento da escala mínima e outras. Isso é legítimo? O judiciário pode intervir em um direito adquirido?
Isso não é legítimo. Mas como o Judiciário dá a última palavra na interpretação da lei, temos decisões judiciais ilegítimas. O Judiciário faz hoje o papel que o Ministério do Trabalho fazia na ditadura: controlar os sindicatos e os trabalhadores, impedir e restringir as greves, vistas como um “mal” a ser evitado. Mas para o trabalhador, a greve é um “bem”: é o meio para melhorar suas condições de trabalho e renda. E nos serviços públicos, onde estão as atividades essenciais, é o meio de defender a qualidade do serviço contra o sucateamento. Ao dificultar uma greve na educação, por exemplo, o Judiciário contribui para que o serviço perca qualidade, já que é o professor quem faz a educação no dia a dia e precisa de condições melhores de trabalho e renda para isso. Os filhos dos juízes nunca estudam em escolas públicas. E os juízes não usam o SUS.
Muitas paralisações de trabalhadores acabam acontecendo por fora da estrutura dos sindicatos. Os sindicatos estão perdendo seu papel? Qual o papel você acha que as entidades de classe ocupam e deveriam ocupar como representação dos trabalhadores?
A greve “por fora” do sindicato é uma necessidade dos trabalhadores, pois o Estado está utilizando o sindicato para controlar a greve, com multas milionárias, liminares etc. A greve “por fora” é o caminho que os trabalhadores encontraram para realizarem o verdadeiro papel dos sindicatos: organizar a luta para obter o máximo de melhorias para os trabalhadores. O sindicato nunca perderá o seu papel enquanto haver patrão e empregado, pois os interesses são opostos. À empresa interessa que o empregado trabalhe mais e ganhe menos, pois assim o lucro é maior. Já o empregado, como todo ser humano, quer uma renda melhor e ter mais tempo livre para a família, o lazer, o estudo e o crescimento pessoal.
Os índices de desemprego estão baixos, mas ainda há muito trabalho informal, precarizado e no setor de serviços. Como essas pessoas podem se organizar por melhores condições de trabalho e salários?
A organização sindical sempre acontece pela forma que for mais fácil de reunir os trabalhadores, pois é essa união o que faz a força. As pessoas precisam conversar sobre os problemas que são coletivos. Ao fazer isso, vão surgindo naturalmente as lideranças que ajudam na organização do movimento e a trazer mais gente para a luta. O povo brasileiro tem uma criatividade e uma solidariedade imensas.
Você vê uma retomada do movimento grevista? Podemos dizer que a classe trabalhadora voltou a se mobilizar de forma organizada?
Está havendo o crescimento das greves. Elas são o primeiro passo para melhorar a distribuição de renda. Os sindicatos precisam retomar a bandeira da redução da jornada de trabalho, sem redução dos salários. O terceiro passo é pensar um projeto popular para o Brasil, com reformas estruturais. Precisamos de uma reforma política urgente e esse Congresso não quer fazê-la.